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#51581
Enviado Anônimamente 04/09/2025

Tenho 28 anos, engravidei de forma inesperada e agora não consigo acordar um dia bem! Não queria ser mãe agora, nem sei se queria ser mãe um dia. Não tenho uma casa, um casamento e nem uma rede de apoio. Estou me sentindo a pessoa mais irresponsável desse mundo. Não consigo me perdoar. Acordo todo santo dia rezando para que seja um sonho. Choro todo dia. Minha mãe é muito idosa, mais de 70 anos. Ela está sofrendo muito com minha situação. Eu já não sei o que fazer.

Bom dia, moça. Seu sofrimento se insere no cenário de uma das maiores dores e injustiças coletivas praticadas contra as mulheres do Brasil. Você está enfrentando uma situação extremamente delicada, não apenas por motivos pessoais, mas também porque vive em um país que não garante dignidade às mulheres, nem direitos sobre o próprio corpo. No Brasil, o aborto não é reconhecido como um direito da cidadã. Isso faz com que apenas mulheres com recursos financeiros tenham acesso a procedimentos clandestinos, enquanto as demais são obrigadas a carregar sozinhas um peso que deveria receber o amparo do governo, via SUS.

Nos países do “primeiro mundo” - Inglaterra, Alemanha, França, Itália (país sede do Vaticano!), Espanha, Portugal, Rússia, Japão, China, Estados Unidos, Canadá, Israel, Noruega, Suécia, Dinamarca e Austrália - o aborto é permitido, feito grátis pelo sistema público de saúde e reconhecido como parte da dignidade de todas as mulheres, tanto as ricas quanto as pobres. 

Além disso, foi constatado que em países nos quais o aborto foi liberado houve uma queda expressiva nas taxas de criminalidade juvenil e de violência urbana. Isso porque com a legalização do aborto, muitas crianças que nasceriam em condições de alta vulnerabilidade social deixaram de nascer. 

Mesmo aqui, na miserável América Latina, países como Uruguai, Argentina e Colômbia já tornaram o aborto livre. Nesses países ninguém pode ser obrigada a ser mãe contra sua vontade ou sem condições materiais ou psicológicas de enfrentar tal desafio. Aqui no Brasil, ao contrário, as mulheres são punidas pela desigualdade, pelo preconceito e pela falta de mobilização politica. Aqui, ao contrário dos outros países, as próprias mulheres, impregnadas pelo obscurantismo religioso e pela ignorância, conspiram contra a conquista desse importante direito feminino. 

Tudo isso explica porque você se sente tão sozinha e esmagada pelo peso dessa opressiva realidade. Não é apenas uma questão individual; é o reflexo de uma violência estrutural contra as mulheres. Se a gravidez fosse uma condição masculina os políticos brasileiros já teriam, há muito tempo, aprovado um lei legalizando o aborto. 

Mas não se culpe, você não tem nada de irresponsável. Você é vítima de um sistema que nega às mulheres o direito de fazer escolhas sobre aquilo que só diz respeito a elas próprias. Um sistema repressor, que lhes esmaga através da culpa, do medo e do silêncio.

Sua dor, sua tristeza e seu desespero não são sinais de fraqueza, mas revelam o tamanho da injustiça que você enfrenta. E é importante que você saiba: você não está errada por não querer ser mãe agora, ou talvez nunca. A maternidade só é digna quando é fruto da escolha, e não da imposição.

Seja bondosa com você mesma. Você não precisa se perdoar por nada, porque não há culpa em sentir-se assim. O que existe é uma luta desigual, em que você foi jogada sem preparo e sem apoio numa situação desesperadora. Infelizmente no Brasil não há sequer uma rede de acolhimento, formado por grupos de mulheres (cadê as feministas?) que ofereçam, sem julgamento, apoio a mulheres em tamanha vulnerabilidade. 

Enfim, não há o que fazer, a não ser reconhecer que você está sozinha, vivendo num país que ao invés de lhe ajudar, criminaliza a única solução que resgataria sua dignidade e seu futuro. Mas jamais aceite o peso da culpa. Pois a culpa real é do povo de um pais sinistro, para o qual sua vida e suas escolhas pouco importam. 

Se isso lhe serve de algum consolo, saiba que aqui no peito, calado, choro por você. E por todas as mulheres do Brasil. 

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